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Perguntas e Respostas
sobre a Praticagem

O que é praticagem?

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A praticagem pode ser definida como um serviço de assessoria aos comandantes dos navios para navegação em águas restritas, isto é, onde existem condições que dificultam a livre e segura navegação como, por exemplo, em portos, estuários e hidrovias. A atividade é essencial à segurança, porque reduz muito a possibilidade de acidentes, que podem custar a vida de pessoas, provocar danos ao meio ambiente, aos próprios navios e instalações portuárias e, ainda, prejuízos de milhões de dólares, como aconteceu no caso do Costa Concordia. Segundo a Associação Internacional de Clubes de Proteção Mútua dos Armadores (International Group of P&I Clubs, em inglês) o índice de acidentes com práticos a bordo no Brasil é de apenas 0,002% (dois milésimos por cento), similar ao dos Estados Unidos, mesmo com as gritantes diferenças de recursos e de infraestrutura.

Existe praticagem em outros países?

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A praticagem existe no mundo todo e é considerada de interesse público. Tem como objetivo a segurança do tráfego marítimo e das instalações portuárias, a salvaguarda da vida humana no mar e nas hidrovias e a proteção do meio ambiente. No Brasil, ela funciona de forma semelhante às principais nações marítimas. Os práticos são profissionais vinculados ao setor aquaviário, e não ao portuário, como muitos imaginam. Um estudo realizado pela Secretaria de Assuntos Econômicos, em 1998, confirmou o acerto do sistema brasileiro e destacou, inclusive, que houve tentativas fracassadas de mudança de modelo na Argentina e na Austrália, que causaram graves problemas de segurança e queda na qualidade do serviço.

O que é preciso para se tornar um prático?

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Os práticos devem ter experiência comprovada na condução de embarcações e são selecionados a partir de processos seletivos públicos organizados e fiscalizados pela Marinha do Brasil. Os candidatos podem ser de ambos os sexos, devem ter curso superior em qualquer área e, no que tange ao conhecimento marítimo, a habilitação de mestre amador (na maioria dos outros países há exigência de ser oficial da Marinha Mercante ou de Guerra). Uma vez conquistada uma das vagas do processo seletivo, o candidato passa, então, por treinamento que dura de doze a quinze meses, acompanhando e realizando manobras com práticos já experientes. Depois desse período, ele é submetido a um exame final pela Marinha e, sendo aprovado, obtém a sua habilitação. O último processo seletivo, realizado em 2011, registrou 1.973 inscrições para o preenchimento de 81 vagas.

Quantos práticos existem em cada porto?

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O número de profissionais habilitados em cada uma das vinte e duas Zonas de Praticagem (ZP) existentes no Brasil é estabelecido pela Autoridade Marítima, em função do volume do tráfego de embarcações, do tempo despendido e do grau de dificuldade para a realização das fainas de praticagem; da necessidade de manutenção da habilitação; e da carga máxima de trabalho do Prático, de acordo com o que estabelece a legislação. Essa forma de organização, que estabelece uma limitação do número de profissionais, não é privilégio do Brasil. Ela se repete nos principais países marítimos, desde os mais liberais, como Reino Unido e Estados Unidos, até aqueles ditos socialistas, como China e Cuba. Trata-se de uma questão técnica ligada à segurança, que não depende de injunções políticas e econômicas.

É verdade que no Porto de Roterdã basta realizar 20 manobras para se tornar prático?

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Não é verdade. Em Roterdã, o candidato deve ser Oficial de Náutica. Ele apresenta o seu currículo para a Associação de Praticagem que escolhe entre os candidatos, aqueles que iniciarão o treinamento. Para se tornar um prático pleno no Porto de Roterdã são necessários sete anos.

As novas tecnologias disponíveis, como GPS, cartas eletrônicas, VTMIS, etc., não dispensariam o uso da praticagem?​

 

Embora todos esses recursos representem valiosos auxílios à navegação, as manobras com embarcações de grande porte envolvem diversos outros fatores que impedem o controle da movimentação em águas restritas apenas por equipamentos. O conhecimento e as atitudes do prático a bordo são indispensáveis para que as manobras nesses locais transcorram em segurança.

 

A resposta mais clara a esta questão está nos próprios países desenvolvidos. Neles, esses recursos tecnológicos estão disponíveis há bastante tempo. Entretanto, em nenhum deles a praticagem foi eliminada ou teve a sua importância reduzida.

​Qual é o rendimento de um prático?

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​O pagamento pelos serviços prestados é feito à Sociedade de Praticagem, organizada pelos práticos em cada ZP. Essa sociedade, uma pessoa jurídica de direito privado como qualquer outra, é quem se responsabiliza por toda a infraestrutura necessária à realização das manobras.

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Em São Paulo, por exemplo, a praticagem tem mais de 100 funcionários; mantém equipamentos de última geração para controle e acompanhamento do tráfego, para acompanhamento meteorológico e de marés, para levantamentos batimétricos e dispõe de 18 embarcações. Além disso, mantém um Centro de Operações guarnecido 24 horas por dia e um estaleiro próprio, para garantir a eficácia do serviço e a manutenção de sua Certificação ISO 9001:2008 de qualidade. Uma vez recebidos os pagamentos pelas manobras, a Sociedade de Praticagem de Santos efetua a quitação dos impostos e demais tributos, do pró-labore dos práticos, da folha de pagamento dos funcionários, das despesas de manutenção de equipamentos, instalações e embarcações e do custeio das operações, além dos investimentos. Não há qualquer centavo de dinheiro público para subsidiar essas despesas (como ocorre na Praticagem de Hamburgo, por exemplo).

 

O rendimento do prático, portanto, provém do pró-labore que recebe pelo trabalho que desenvolve na entidade da qual é sócio e de eventuais distribuições de resultados, regra geral de qualquer empresa privada. Os valores são variáveis, tanto dentro de uma mesma ZP, como entre ZPs distintas.

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Contrariando notícias sobre supostos rendimentos astronômicos que, de tempos em tempos, são divulgadas, é importante dizer que, das 22 ZPs existentes no Brasil, sete têm dificuldades financeiras até mesmo para pagamento de sua contribuição associativa ao Conselho Nacional de Praticagem (Conapra).

acional de Praticagem (Conapra).

Fala-se que, para reduzir o preço do serviço de praticagem, serão reduzidas as exigências para os candidatos à profissão de prático e que o tempo de formação será diminuído. De que maneira a habilitação pode influenciar no preço do frete?

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Não há qualquer vínculo entre preço e tempo para habilitação. O objetivo de dominar a atividade, este sim, é que pode ser alcançado mais facilmente. Existindo um número excessivo de profissionais, formados do dia para a noite e, consequentemente, com baixa qualificação, ficaria muito mais fácil para os armadores estrangeiros contratarem os seus próprios práticos, que, sem a independência que hoje marca a atividade, conduziriam os seus navios segundo os seus próprios interesses econômico-financeiros.

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Sobre essa ideia de redução do nível de qualificação, foi muito lúcida a declaração do Professor Hélio Halite: “Em relação à Praticagem, é preciso ter cuidado. É uma carreira de alta qualificação. Reduzir as regras para atuar nessa área é o mesmo que graduar um médico cirurgião em dois anos”.

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A redução das exigências de qualificação e o aumento indiscriminado do número de práticos não são propostas novas. Essas ideias muito preocupantes para os portos brasileiros já constavam do PLS 117/2010, de autoria do ex-senador Demóstenes Torres, do estado de Goiás, e foram refutadas pelas Comissões onde o projeto tramitou.

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Entregar o domínio da praticagem brasileira aos armadores estrangeiros seria a receita certa para o desastre. Mais cedo ou mais tarde veríamos um navio encalhado próximo à Fortaleza da Barra, na entrada do Porto de Santos, tal como o Costa Concórdia, na Ilha de Giglio. O porto ficaria fechado por meses, prejudicando significativamente a economia brasileira; um provável vazamento de óleo deixaria a população da Baixada Santista sem praias e sem turismo por longo período, assim como prejudicaria as reservas ambientais; o armador receberia a indenização do seguro e levaria todos os seus outros navios para um porto qualquer onde houvesse carga, continuando a lucrar, sem qualquer compromisso com a cidade ou com o país.

Há monopólio na prestação do serviço de Praticagem?

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Um monopólio verdadeiro, necessariamente, deve atender a dois requisitos fundamentais: imposição da quantidade ofertada e imposição de preço. O serviço de praticagem não atende a qualquer deles.

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Em primeiro lugar, por determinação legal (LESTA e RLESTA), o prático não pode se recusar a prestar o serviço sempre que solicitado pelo armador, mesmo que não haja preço estabelecido para o serviço. A estrutura mantida pela Praticagem deve estar disponível em caráter permanente. Não há, portanto, imposição da quantidade ofertada. Em outras palavras, o prático não tem o poder de dizer ao armador que não o atenderá até que ele concorde com o preço desejado. Se o fizer, pode ter a sua habilitação cancelada.

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Em segundo lugar, também por determinação legal, os preços devem ser acordados entre a praticagem e os tomadores de serviço. Caso não seja alcançado algum acordo, os preços podem ser fixados única e exclusivamente pela Autoridade Marítima. Não existe hipótese de o preço ser determinado unilateralmente pela Praticagem.

Os preços dos serviços de praticagem no Brasil são maiores do que os vigentes em outros países?

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Como esse tipo de afirmação é uma ladainha repetitiva dos poucos armadores estrangeiros que dominam o transporte marítimo mundial, a praticagem brasileira contratou uma das mais respeitadas e idôneas entidades de pesquisa do Brasil, a Fundação Getúlio Vargas. O relatório final do estudo Análise da Competitividade Internacional dos Valores Cobrados pelos Serviços de Praticagem no Porto de Santos, foi divulgado em outubro de 2009. Mesmo diante da subvalorização do dólar frente à moeda brasileira na época, o que distorcia a comparação, a Fundação Getúlio Vargas comprovou que os preços de Praticagem no Porto de Santos encontram-se próximos à média internacional e são inferiores à maioria dos portos de referência, citando textualmente que “entre 54% e 66% das exportações pelo Porto de Santos em 2008 foram destinadas a países representados por portos onde os valores dos serviços de praticagem são superiores aos praticados em Santos”, concluindo que “tal fato sugere que os valores de praticagem não representam qualquer entrave à exportação de mercadorias brasileiras para esses portos”.

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É a praticagem quem impõe o preço do serviço?

 

Não, de forma alguma. Os serviços de praticagem são remunerados por pagamentos efetuados pelos armadores, proprietários dos navios, com base em preços livremente negociados e acordados entre as partes. Quando não há acordo, o preço é estabelecido pela Autoridade Marítima. É importante destacar, também, que uma eventual falta de acordo sobre os preços não exime o prático da prestação do serviço, à qual ele é obrigado por determinação legal, mesmo que não haja valor previamente acertado.

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Hoje, acerca da imposição de preço, o que se constata é justamente o contrário: são eles, os armadores, que têm o maior poder de pressão. Em determinados locais, algumas poucas empresas de navegação não vêm pagando por serviços prestados há vários anos, aproveitando-se, exatamente, desta obrigatoriedade de prestação do serviço. Por vezes, até lançam mão de recursos judiciais protelatórios, nada pagando até o trânsito em julgado e obtendo ganhos financeiros, seja por meio de aplicações financeiras, seja por meio de variações cambiais.

Por que muitos armadores se referem a “tarifa” de praticagem, ao invés de “preço”?

 

Trata-se de uma tentativa falaciosa de confundir praticagem com serviço público e, dessa maneira, forçar uma regulação por planilhas de custos, como ocorre com empresas concessionárias ou permissionárias, por exemplo. As sociedades de praticagem são entidades privadas, que prestam serviços em moldes privados e, assim, são remuneradas por "preços".

 

O preço do serviço de praticagem se compõe de duas parcelas bastante distintas: a primeira, tangível, é composta pelos custos da infraestrutura necessária à prestação eficaz do serviço, tais como lanchas, combustível, pessoal, equipamentos de comunicação, etc.; a segunda, intangível, reflete, por um lado, a perícia exigida do prático para gerenciar os riscos inerentes a cada manobra a ser executada, e por outro lado, as externalidades negativas que são evitadas e as externalidades positivas que são agregadas pelo seu trabalho. Daí, preços maiores ou menores quanto mais ou menos riscos associados à manobra.

Qual é o peso do preço da praticagem na despesa total de um exportador ou importador brasileiro?

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O estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas demonstrou que a praticagem representa apenas 0,12% a 0,18% dos custos do dono da carga. É importante salientar que aquele estudo foi voltado ao transporte em contêineres. Certamente, para navios graneleiros os percentuais seriam ainda menores.

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E qual é o peso do preço da praticagem na despesa total de um passageiro de um navio de cruzeiro?

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No caso dos cruzeiros marítimos, declarações da própria ABREMAR (Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos) não deixam qualquer dúvida sobre a realidade do baixo custo da praticagem para os passageiros.

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No dia 03/10/2010, matéria divulgada no Diário do Litoral registrou que, segundo a ABREMAR, naquela temporada, pelo Porto de Santos passariam cerca de um milhão de passageiros. Em 29/11/2010, na Folha de São Paulo, Ricardo Amaral, então presidente da mesma ABREMAR, declarou que as despesas com a praticagem, na mesma temporada e no mesmo porto, seriam de R$ 9.664.000,00.

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​Uma simples operação matemática demonstra, portanto, que o custo da praticagem é de apenas R$ 9,66 por passageiro, menos do que se cobra, por exemplo, por uma lata de refrigerante a bordo (US$ 6), ou por uma foto (US$ 12), ou pelo transporte da bagagem (US$ 19) ou uma ida à enfermaria do navio (US$ 70). Isto para não falar nas gorjetas compulsórias ou nos gastos no cassino do navio.

O preço da praticagem tem influência no valor do frete marítimo? E na tarifa do frete de cabotagem?

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É importantíssimo dissociar eventual redução do preço de praticagem com alguma redução de custo para o embarcador (exportador ou importador) ou mesmo para os passageiros (no caso dos cruzeiros). A praticagem é um custo do armador, ou seja, um custo inerente à operação do navio, como são os custos de rebocador, salário da tripulação, alimentação dos tripulantes, documentação do navio, etc.

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O dono da carga sequer toma conhecimento destes valores, individualmente considerados. O que influi, sim, no preço dos produtos transportados, entre outros fatores, é o frete que ele paga ao armador, e que é regulado pelo “mercado”, pela oferta e procura, tendo como agravante o fato da navegação marítima mundial ser dominada por um oligopólio de mega-armadores.

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Conforme demonstra o quadro apresentado na sequência, as seis maiores empresas de navegação concentram metade da capacidade de transporte mundial. Se forem consideradas as 15 maiores, 75% do mercado.

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Diante desta realidade, invariavelmente, o frete é muito superior aos custos do armador e qualquer redução em um desses custos resulta apenas em maior lucro para ele.

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Além dos altos valores de frete, com frequência são também impostas unilateralmente pelos armadores aos donos da carga sobretaxas de bunker, de pico de safra, de prioridade, de congestionamento, por escassez de contêineres, por falta de equipamento reefer, de consumo reefer, de greve, de pouca profundidade, de pirataria, de “no show”, de nevoeiro, de "low-sulphurfuel", etc

 

Vale lembrar que, mesmo que a praticagem fosse gratuita, o embarcador pagaria os mesmos valores de frete e sobretaxas, que são estabelecidos pelo “mercado oligopolizado”. Os custos de movimentação do navio não têm qualquer influência no custo final do produto transportado.

O Relatório Anual de Gestão de 1997, do CADE, já mostrava preocupação com a falta de concorrência entre as empresas de navegação e registrava que variações de preço no serviço de praticagem poderiam ter efeitos pequenos para o usuário, diante da possibilidade de eventuais reduções de custo serem absorvidas apenas pelas próprias empresas de navegação.

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A postura de não repassar eventuais economias aos donos da carga é confirmada pelos próprios armadores, conforme deixou patente declaração do Vice-Presidente do SYNDARMA (Sindicato das Empresas Brasileiras de Navegação), na revista Portos e Navios, edição 572, em setembro de 2008, sobre a queda de preço dos combustíveis: “Para Galli, a medida vai trazer um pequeno alívio para as empresas de navegação”, mas ressalta que esse “alívio” não vai necessariamente provocar uma mudança no preço dos fretes. “Quando acontece uma alteração no custo, isso não quer dizer que, na mesma hora, essa alteração tenha que ser repassada no preço. O preço para o cliente tem mais a ver com o exercido no mercado, afirma”.

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Em 1o de novembro de 2010, no DCI, o Presidente da Hamburg Sud do Brasil afirmou que “A precificação [do frete], na verdade, é muito simples. Depende da procura e da demanda. Na indústria, em geral, o preço do frete se compõe pela demanda e pela oferta. Isso sobe ou desce”.

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Corroborando a realidade de que os fretes cobrados pelos armadores derivam mais da posição dominante que detêm do que dos seus custos, um estudo realizado em 2008 por pesquisadores do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) constatou que as exportações latino-americanas para os Estados Unidos pagam taxas de frete oceânico que são, em média, 70% mais altas do que as taxas pagas por exportações da Holanda, apontando, como uma das causas, o baixo grau de competição entre as empresas transportadoras que operam nas rotas latino- americanas. Nessa mesma linha, matérias recentemente publicadas pelo jornal O Globo e pelo site PortoGente relatam suspeitas de cartel no frete marítimo cobrado no Brasil.

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Um exemplo concreto de que os fretes, mesmo nas tarifas de cabotagem, não guardam estreita relação com os custos do armador pode ser verificado na tabela de fretes do serviço da Ásia, do grupo alemão Hamburg Sud / Aliança. Para o transporte de um contêiner de 40 pés, com carga geral, de Itaguaí a Hong Kong, o valor cobrado é de US$1.100. Entretanto, caso o embarque deste contêiner seja feito em Vitória, é previsto um “PRECARRIAGE ADDITIONAL COST” de US$1.800. Em outras palavras: frete Itaguaí-Hong Kong (10.274 milhas náuticas) = US$1.100; frete Vitória-Sepetiba (337 milhas náuticas) = US$1.800.

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Além disso, naquela mesma tabela pode ser verificado que o frete é idêntico, seja saindo de Buenos Aires, seja saindo de Montevidéo, seja saindo de Santos. Segundo os armadores, os preços da praticagem na Argentina e no Uruguai seriam inferiores aos de Santos. Ora, se, como dizem, a praticagem tem influência no frete, por que então os valores de frete são iguais?

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Se não há impacto sobre os fretes, por que os armadores fazem tanta pressão sobre os preços da praticagem no Brasil?

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Na queda de braço entre o oligopólio dos armadores e a praticagem brasileira, o aumento de lucro é fator desejável, mas secundário. O motivo principal é a busca de domínio da atividade. Na verdade, é a independência funcional, sem vínculos de subordinação a empresas de navegação ou a interesses outros que não a segurança da navegação a principal causa dos ataques que são desferidos contra o serviço de praticagem.

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Esses grupos internacionais não aceitam que profissionais brasileiros qualificados e independentes, sob a fiscalização da Autoridade Marítima Brasileira, façam cumprir rigorosamente as normas de segurança, em detrimento de eventuais lucros que poderiam ser gerados pela quebra dessas mesmas normas. E os práticos, muitas vezes, têm de contrariar interesses comerciais e econômicos, na defesa da segurança do porto, das pessoas e do meio-ambiente, enfim, em defesa da comunidade a que servem.

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O próprio ex-Ministro Pedro Brito, no livro “Muito a Navegar” atestou a existência dessas tentativas de interferência quando, discorrendo sobre o modelo portuário brasileiro, declarou textualmente, que “... frequentemente, se vê no Congresso a ação de fortes lobbies trabalhando a favor dos interesses de alguns grandes armadores” (pg 44) e que “Qualquer pressão para mudá-lo se prende unicamente a interesses estritamente empresariais e privados, desvinculados dos interesses do país” (pg 46).

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As pressões de tais grupos internacionais sobre as autoridades brasileiras pela busca de privilégios ou vantagens não justificáveis não são novidade. Vide, por exemplo, o questionamento da Hamburg Sud ao Ministério da Marinha, em setembro de 1898, sob a alegação de que havia cobranças indevidas referentes à praticagem, pela Capitania dos Portos de Paranaguá. O Parecer do Conselho Naval, datado de abril de 1899, demonstrou que a reclamação era improcedente.

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Os ataques contra a praticagem brasileira utilizam, invariavelmente, desinformações ou falácias acerca de custos e acusações depreciativas de supostos salários. Por mais que não se deseje vincular, é quase impossível ignorar Goebbels, ministro da propaganda nazista. Ele afirmava que não se poderia permitir que a verdade prejudicasse os objetivos. O aspecto essencial seria alcançar o propósito; se os motivos eram reais ou não, isso não tinha a menor importância. O importante seria ridicularizar os adversários dando início a rumores mentirosos ou fazendo acusações ultrajantes.

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O armador paga pelo serviço de praticagem nas duas pontas da rota. Como foi demonstrado pela FGV, a maioria dos destinos dos navios representam localidades onde a praticagem é mais cara. Por que os valores, aqui, teriam de ser menores que os do exterior? Apenas porque é no Brasil? Apenas porque eles vêm de países desenvolvidos (onde não se atrevem a assediar seus governos com o mesmo assunto) e a praticagem representa um país em desenvolvimento? 

 

Mais grave se torna a questão ao recordar que o serviço de praticagem prestado a estrangeiros significa exportação de serviços, ingresso de divisas e tributos integralmente recolhidos no Brasil. Nenhuma parcela dos pagamentos é feita fora do país, diferentemente do que poderia ocorrer, por exemplo, entre algumas empresas estrangeiras de navegação e algumas empresas estrangeiras de rebocadores. Lembrando o que constatou o BID, os armadores estrangeiros já impõem aos exportadores e aos importadores brasileiros fretes 70% superiores aos cobrados dos europeus e americanos.

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As taxas portuárias brasileiras são altas? Elas reduzem a competitividade dos produtos nacionais?

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Em 12/11/2012, Mauro Salgado, Presidente da Federação Nacional dos Operadores Portuários se manifestou de forma muito objetiva sobre esse tema, no jornal Valor Econômico:

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“Engano mais comum é o mantra "portos brasileiros são ineficientes" ou "as altas taxas portuárias reduzem a competitividade dos produtos nacionais". Nada mais falso. O grande gargalo são a burocracia e as dificuldades de acesso ao porto.

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Repetido mecanicamente há décadas, quando ainda se podia justificar alguma generalização, tal discurso é invocado ainda hoje, algo inadmissível. Durante recente seminário em Brasília, uma entidade de classe afirmou, a jornalistas, empresários e autoridades, que os portos brasileiros cobram dos exportadores US$ 400 por contêiner embarcado, enquanto o mesmo serviço custa US$ 150 em outros países.

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Ocorre que o exportador, via de regra, não paga nada ao terminal. Os terminais portuários cobram pelo serviço de movimentação (embarque e desembarque) de contêineres dos armadores, empresas donas dos navios - e não dos exportadores.

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São os transportadores marítimos, os armadores, que cobram dos exportadores e importadores, dependendo da forma de contratação aplicada, pelo serviço de frete marítimo dos contêineres adicionado de taxas aplicadas, cujos valores são estabelecidos individualmente pelos armadores com seus clientes, procedimento comum em muitos países”.

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No mesmo sentido, foi emblemática a declaração de Vicente do Valle, Primeiro Vice-Presidente da Associação Comercial de Santos, no Fórum Santos Export, realizado em 14/08/2012:

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"Tivemos uma melhora em relação à produtividade do Porto de Santos, mas continuamos com problemas em relação ao preço. Antes da Lei dos Portos, pagávamos R$ 120 reais por contêiner para o transporte de café. Em 2004, esse valor passou para R$ 202 e, atualmente, está em R$ 605".

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Ambos corroboram os dados disponíveis: em Santos, o montante pago pelo armador ao terminal seria de R$ 54,44, segundo o IPEA, ou R$63,30, segundo a ANTAQ. Entretanto, o valor cobrado do embarcador pelo grupo alemão Hamburg Sud / Aliança, a título de ressarcimento (THC), é de R$ 661,00. Como se vê, o menor custo proveniente da maior produtividade do terminal é totalmente absorvido pelo próprio armador. Os embarcadores não são beneficiados por aquela melhoria. Este fato também foi corroborado pelo representante da ABRATEC, na mesa redonda realizada em 30/10/2012, na Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados.

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Enfim, esta é a realidade: os armadores estrangeiros auferem grandes lucros oriundos da melhoria da eficiência dos terminais brasileiros e, ao mesmo tempo, mantêm o mantra “as altas taxas portuárias reduzem a competitividade dos produtos brasileiros – é necessário reduzir os custos”.

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Não bastasse esse exemplo concreto, pode ser tomada como referência a apresentação feita pela armadora francesa CMA-CGM (3a maior armadora regular do mundo, segundo a “Alphaliner TOP 100”) no Fórum Democrático promovido pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Ali, foram apresentados os custos de uma viagem típica – Rotterdam / Hamburgo / Santos / Rio de Janeiro / Rotterdam – com duração de 28 dias, transportando 4.375 contêineres na soma da ida e volta.

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Os slides 30, 31, 33 e 34 permitem montar a seguinte tabela de custos do armador:

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Dessa tabela, já à primeira vista, é fácil verificar a relação do preço da praticagem brasileira com o preço da praticagem no exterior: um terço do valor.

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É a mesma a proporção entre as despesas portuárias no Brasil e no exterior: um terço.

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Por fim, chama atenção, também, a diferença gritante entre os valores pagos aos rebocadores, no Brasil e no exterior: 300%. É no mínimo estranho que equipamentos similares, com custos de aquisição e manutenção praticamente idênticos, ofereçam tal magnitude de diferenciação, ainda mais quando são lembradas as reclamações contumazes do Sindicato das Empresas Brasileiras de Navegação – SYNDARMA, referentes aos custos dos marítimos brasileiros.

Muito se tem falado sobre as deficiências de infraestrutura dos portos brasileiros. Entretanto, a quantidade de carga movimentada tem crescido vertiginosamente ano a ano. Como isto tem sido possível?

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Se há uma categoria profissional que aplaude a disposição demonstrada pelo governo federal em melhorar a infraestrutura dos portos brasileiros esta categoria é a dos práticos.

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Há mais de 200 anos, desde que foi regulamentada no país em 1808, junto com a Abertura dos Portos, a praticagem tem enfrentado enormes desafios para garantir que a estrutura portuária possa responder às exigências ditadas pelo crescimento econômico. Transitam hoje pelos nossos portos, marítimos e fluviais, mais de 90% em volume, e cerca de 80% em valor, do comércio exterior brasileiro. Ao longo das 22 Zonas de Praticagem distribuídas pelo território nacional, os práticos manobram navios de dimensões e características muito acima daquelas recomendadas pelas normas técnicas, considerando a infraestrutura e os meios de apoio disponíveis.

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Nesse cenário adverso e a despeito das severas deficiências logísticas com as quais precisam lidar, os práticos têm sido extremamente bem sucedidos, preservando a segurança do tráfego aquaviário, a salvaguarda da vida humana e a proteção do meio ambiente, com baixíssimo índice de acidentes.

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Não fosse a proatividade, o alto grau de prontidão, os investimentos próprios, a integração e, sobretudo, a capacitação e perícia dos práticos brasileiros, o Porto de Santos, por exemplo, não teria condições de receber navios com 330 metros de comprimento, praticamente o dobro do que sua estrutura permite. Outro exemplo emblemático vem do Porto de Manaus: não fosse o nível de excelência alcançado pelos práticos, o terminal construído em 1907 e projetado para navios de até 35 mil toneladas, não estaria operando com embarcações três vezes maiores.

Essa rotina de superação acabou por fazer com que a expertise dos práticos brasileiros obtivesse reconhecimento internacional. Recentemente, o Conselho Nacional de Praticagem esteve representado em Londres, a convite da International Maritime Pilots' Association (Associação Internacional de Práticos), para falar sobre a experiência brasileira. Além dos fatores já citados, chama a atenção dos colegas do exterior o fato das duas maiores zonas de praticagem do mundo situarem-se no Brasil, na Amazônia, respectivamente com 2.260 e 1.808 quilômetros de extensão (a terceira, a do Rio Mississipi, nos EUA, tem 383 quilômetros).

De que forma o embarcador brasileiro poderia, verdadeiramente, ter as suas despesas reduzidas?

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De imediato, poderia ganhar com a modificação da THC, passando a pagar diretamente ao Terminal pela movimentação da carga, suprimindo a nociva intermediação do armador.

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O mais importante, entretanto, seria ganhar com a redução do frete. Mas nem a praticagem, nem os rebocadores, nem as taxas portuárias trarão qualquer diferença ao embarcador brasileiro, seja no longo curso, seja na tarifa da cabotagem.

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Duas ações são urgentes e necessárias:

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a) acompanhamento criterioso, por parte da ANTAQ, dos valores efetivamente cobrados dos embarcadores, tanto no longo curso, como, sobretudo, nas tarifas de cabotagem; e

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b) estabelecimento de uma Marinha Mercante genuinamente nacional; hoje, a totalidade dos navios de passageiros e as principais empresas brasileiras de navegação são de propriedade de megatransportadoras internacionais (Libra da CSAV chilena; Aliança da Hamburg Sud alemã; Flumar da Oldfjell norueguesa; Mercosul Line da Maersk dinamarquesa; etc). Conforme já alertou o estudo “EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO DA MARINHA MERCANTE BRASILEIRA”, realizado em 2008 pela Consultoria Legislativa do Senado15, “o Brasil é praticamente o único país que aceita a presença de capital estrangeiro majoritário nas empresas de navegação”.

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A título de ilustração vale lembrar que nas empresas de aviação a participação de capital estrangeiro não pode exceder a 20% e, nas de comunicação, 30%. Sérgio Machado, Presidente da Transpetro, em Maio de 2010, alertou: “Como potência emergente, o Brasil não pode transportar apenas 1% de seu comércio e pagar US$ 16 bilhões anuais em fretes para estrangeiros - o que tende a subir, com aumento natural do comércio. Os gigantes que controlam metade do comércio mundial são donos de 72% da frota - o que deveria fazer a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República pensar na questão”. Pode-se, até mesmo, pensar na criação de uma Marinha Mercante de Estado. Um navio conteineiro novo de 8.000 TEU custa cerca de US$100 milhões, um valor pequeno se comparado aos US$16 bilhões gastos anualmente com fretes e afretamentos estrangeiros. Recentemente, o Iraque adotou esta linha, com a criação da Iraqi State Company for Maritime Transport. O verdadeiro usuário do porto é o dono da carga, exportador ou importador. Não é a empresa de navegação, como tem sido incutido pela mídia. Os conceitos estão perigosamente invertidos. A empresa de transporte é apenas mais um dos prestadores de serviço que se utilizam do porto para atender ao dono da carga.

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É o embarcador que paga muito para levar a carga até o porto. É, também, o dono da carga que paga muito em sobrestadias (demurrages) pelos atrasos para embarques e desembarques.

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Também é o dono da carga que paga fretes elevados e uma infinidade de sobretaxas que são controlados por "players" internacionais.

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As cargas e os seus embarcadores é que devem ser o centro das atenções nos portos!

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